- Fonte: Gazeta do Povo
Em abril, Supremo descriminalizou a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, mas desde 1989 juízes têm dado permissão em casos de anomalias graves
Antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter autorizado a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, em abril passado, juízes e desembargadores já vêm alterando a forma como a Justiça brasileira encara o tema. Pelo menos 10 mil autorizações de aborto em situações que não se enquadram nas duas possibilidades amparadas pela lei – estupro ou risco de morte para a mãe – foram registradas no país de 1989 a 2012. São situações em que o feto apresentava anomalias muito graves – seja anencefalia ou não.
“Grande parte dessas decisões correspondem a fetos com cérebro, mas com outros problemas de má formação em que a sobrevida fora do útero é considerada nula”, explica o médico e pesquisador Thomaz Gollop, da Universidade de São Paulo (USP), que estuda o tema. Ele salienta que o número de casos de interrupção de gravidez no país é subestimado, “já que muitas decisões acontecem em pequenas cidades do país e nem chegam a entrar em estatísticas”. No ano passado, o Ministério da Saúde registrou 1.477 abortos; em 2010 foram 1.686. Esses dados incluem tanto os casos previstos em lei quanto as interrupções de gravidez autorizadas por decisão judicial, como em situações de má formação do feto.
O primeiro caso autorizado por um magistrado, segundo Gollop, data de 1989, quando um juiz de Ariquemes, em Rondônia, autorizou a interrupção de uma gravidez de anencéfalo. O pesquisador relata que a segunda decisão aconteceu no Paraná, em 1992, e foi concedida pelo atual presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Miguel Kfouri, quando atuava como juiz em Londrina.
“Existem muitos outros casos em que a vida do feto se torna inviável, como ausência bilateral de rins. Isso depende do posicionamento de cada juiz e de exames que comprovem que a vida fora do útero é impossível”, afirma Gollop. Há também síndromes, como a de Patau e de Edwards, em que a probabilidade de vida do bebê é de quase nula. Na primeira, em que o embrião tem três cromossomos número 13, em vez de dois, 44% dos bebês morrem antes do primeiro mês de vida. Só 30% sobrevivem mais que seis meses. Na segunda, menos de 5% dos bebês completam um ano de vida. “Hoje, o avanço da ciência não permite que haja diagnósticos errados”, diz o pesquisador.
Crime ou não
Para o desembargador paulista José Henrique Torres, presidente da Associação de Juízes para a Democracia, a questão principal é discutir se a interrupção de gravidez nesses casos diagnosticados configura crime ou não. “Nessas decisões específicas, os juízes afirmam apenas que o aborto não é um ato criminoso. Mas o juiz não determina que a interrupção da gravidez seja realizada, apenas a autoriza. O casal é que irá decidir o que fazer”, explica.
Ele revela que, como juiz em Campinas, interior de São Paulo, concedeu mais de 300 decisões favoráveis ao aborto em casos de má formação fetal. Em nenhuma decisão, segundo ele, houve recurso. “A decisão vai variar de caso para caso e também de juiz para juiz. A grande maioria, porém, está sustentando juridicamente e com base nas provas médicas, que a interrupção de gravidez é o melhor caminho”, avalia.
Todavia, há quem entenda que a vida deve ser respeitada até seu último instante. “Defendemos que a vida deve ter ser ciclo natural independente de o bebê viver poucos minutos. A mulher não pode carregar a culpa pelo resto da vida de ter feito um aborto e não ter dado chance alguma de vida ao seu filho”, rebate o vice-presidente do Movimento Brasil Sem Aborto, Jaime Ferreira.
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