Por Gabriel Perissé em 17/04/2012 na edição 690.
Reproduzido do Correio da Cidadania, 13/4/2012/ intertítulo do OI
O aborto não é tema religioso ou jurídico, não é matéria política,
problema médico ou objeto de pesquisa biológica. Todas essas dimensões
são importantes, mas decisiva mesmo é a questão gramatical. A gramática
do aborto nos pede a classificação morfológica e a análise sintática dos
discursos, sejam contra ou a favor, sejam indignados ou frios,
calculistas ou transbordantes.
Primeiramente, onde está o sujeito oculto? A que classe ele pertence? Em que ponto das entrelinhas ele se esconde? Será talvez um sujeito indeterminado? Sem nome? Sem pronome? Ou esta sentença não tem sujeito? O sujeito foi um acidente da conjugação? Nasceu quando todos os advérbios eram de negação? O sujeito merece, ao menos, uma oração? O sujeito caiu em desuso? O sujeito existe? Tem algum adjetivo capaz de lhe dar, na vida, um objetivo? A que gênero pertence? Ao gênero neutro?
Onde deixaremos o sujeito, mero artigo indefinido? Onde jogaremos o sujeito expelido da frase? Será que o sujeito é realmente o que está embaixo, subordinado, sujeitado, subjazendo a todos os imperativos? Mas de onde veio esse sujeito sem predicados ou predicativos? Nasceu de outros sujeitos, fora do contexto? De um antigo particípio passado, para sempre ultrapassado?
Etimologia alguma poderá salvar o sujeito
O sujeito virou objeto indireto num mundo intransitivo? O sujeito foi devidamente analisado? Será meramente expletivo, sem coordenação que lhe dê espaço? O sujeito é apenas agente da passiva? Sobretudo quando é defectivo? O sujeito é composto? Decomposto? Recebeu um aposto? É condicional? É temporal? É vocativo? É alternativo? É adversativo? Incomoda a norma vigente? O sujeito concorda com a ação expressa no período?
E o verbo, é anômalo também? Ou não tem futuro, uma vez que se perdeu no pretérito?
O problema gramatical do aborto é que o sujeito está desclassificado. É apenas função não determinante. Uma contradição em termos. Um parasita no vernáculo. Uma vírgula descartável. Vivo ou morto, o sujeito está à margem da semântica. E à mercê de todos os falantes. Ele tende a se tornar um prefixo como outro qualquer.
O sujeito pode ter consoantes dentais ou labiais, será, quem sabe, portador de apócopes ou núcleo silábico, ou talvez seja paroxítono, ou carregue, pobre coitado, uma sístole inclassificável... Se o sujeito for considerado um desafeto, será fato consumado.
Para todos os efeitos, etimologia alguma poderá salvá-lo.
Diremos “adeus”, mas ele não tem voz ativa para responder.
Primeiramente, onde está o sujeito oculto? A que classe ele pertence? Em que ponto das entrelinhas ele se esconde? Será talvez um sujeito indeterminado? Sem nome? Sem pronome? Ou esta sentença não tem sujeito? O sujeito foi um acidente da conjugação? Nasceu quando todos os advérbios eram de negação? O sujeito merece, ao menos, uma oração? O sujeito caiu em desuso? O sujeito existe? Tem algum adjetivo capaz de lhe dar, na vida, um objetivo? A que gênero pertence? Ao gênero neutro?
Onde deixaremos o sujeito, mero artigo indefinido? Onde jogaremos o sujeito expelido da frase? Será que o sujeito é realmente o que está embaixo, subordinado, sujeitado, subjazendo a todos os imperativos? Mas de onde veio esse sujeito sem predicados ou predicativos? Nasceu de outros sujeitos, fora do contexto? De um antigo particípio passado, para sempre ultrapassado?
Etimologia alguma poderá salvar o sujeito
O sujeito virou objeto indireto num mundo intransitivo? O sujeito foi devidamente analisado? Será meramente expletivo, sem coordenação que lhe dê espaço? O sujeito é apenas agente da passiva? Sobretudo quando é defectivo? O sujeito é composto? Decomposto? Recebeu um aposto? É condicional? É temporal? É vocativo? É alternativo? É adversativo? Incomoda a norma vigente? O sujeito concorda com a ação expressa no período?
E o verbo, é anômalo também? Ou não tem futuro, uma vez que se perdeu no pretérito?
O problema gramatical do aborto é que o sujeito está desclassificado. É apenas função não determinante. Uma contradição em termos. Um parasita no vernáculo. Uma vírgula descartável. Vivo ou morto, o sujeito está à margem da semântica. E à mercê de todos os falantes. Ele tende a se tornar um prefixo como outro qualquer.
O sujeito pode ter consoantes dentais ou labiais, será, quem sabe, portador de apócopes ou núcleo silábico, ou talvez seja paroxítono, ou carregue, pobre coitado, uma sístole inclassificável... Se o sujeito for considerado um desafeto, será fato consumado.
Para todos os efeitos, etimologia alguma poderá salvá-lo.
Diremos “adeus”, mas ele não tem voz ativa para responder.
[Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br]
Extraído do "O observatório da imprensa".
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