QUEM É EDUARDO FELD?
Aos
42 anos, casado, natural do Rio de Janeiro, Eduardo Feld é bacharel e
mestre em Direito e juiz no Rio Grande do Norte desde o ano de 2000.
Filho de engenheiros, aos quatro anos de idade desenvolveu seu primeiro
programa de computador. É também bacharel em Engenharia e especialista
em Matemática Pura.
Mesmo
desempenhando a carreira jurídica, nunca deixou a informática, sua
grande paixão. É criador do Slapsoftware (slapsoftware.com.br), primeiro
sistema de código aberto no gerenciamento de processos judiciais,
administrativos e legislativos no Brasil. Foi juiz substituto nos
municípios de Natal e Assu e juiz titular em Upanema, Taipu, Parnamirim
e, por último, estava exercendo suas funções no município de Santo
Antônio. Foi promovido para a Vara Cível da Comarca de Macau, no dia 15
de fevereiro deste
ano.
Recentemente, foi punido pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Norte, com a penalidade de disponibilidade com proventos
proporcionais, que veio a ser anulada pelo CNJ.
O que é o SLAPSOFTWARE?
É
um projeto iniciado em 2008, que tem como objetivo final a substituição
de todos os sistemas de controle de processos hoje em funcionamento nos
Tribunais por um só, unificando o que hoje está disperso em vários
ambientes, diferentes conforme área da Justiça (p. ex., Juizados e
Justiça comum, tipo de vara, grau de jurisdição).
Quais as vantagens que esse novo sistema traria?
O
sistema seria ou será introduzido em todos os Poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário), controlando os processos judiciais,
administrativos e legislstivos. Tomando como exemplo o fato de que
alguns milhões foram economizados por ano no Estado, segundo consta na
propaganda institucional, com a campanha “apague a luz antes de sair” e
mais outros tantos milhões com o uso do email substituindo a
correspondência escrita, basta fazer uma projeção para se ter a certeza
de que a economia seria bilionári
a. Isto sem contar que fatos como os que vêm sendo divulgado nos
jornais nos últimos dias não estariam acontecendo. Além disto, haveria o
fim de um paradoxo: o TJRN aderiu a um projeto de sistema do CNJ (o
Pje) que unificaria todos os sistemas, entretanto, possui um plano
decenal em que prevê o uso da mesma funcionalidade através de softwares
de empresas, o que significa, basicamente, fazer a mesma coisa de duas
maneiras e pagando caro.
Quais são os custos de se implantar um sistema deste tipo?
São
muito pequenos pois o sistema pertence a um conceito chamado “software
livre”, o que significa que não há direito patrimonial de autor no uso e
distribuição do programa-fonte. Trata-se não apenas de um tipo de
sistema, mas de uma tendência nacional e mundial, de adoção de um
conceito, que veio a partir de um movimento que remonta à década de
setenta.
Quando você tentou implantar o projeto no TJRN, recebeu alguma resposta?
Dentre
os vários e vários requerimentos que protocolei formalmente, isto sem
contar com os contatos verbais com diversas pesssoas, raramente era
chamado para expor algo e jamais convocado para integrar qualquer
comissão, dentre as inúmeras que já foram formadas para tratar da
informatização. Quanto a respostas formais, apanas uma na mesma semana
em que sofri o último “atentado”, em outubro de 2011. A resposta dizia,
laconicamente, que “não havia recursos para implantação do projeto”. O
fato, entretanto, é que há recursos para outros projetos, como por
exemplo, conforme divulgado no Diário Oficial há alguns dias, para a
implantação de um sistema de processo administ
rativo. Ora, para fazer isto será necessário gastar muito mais do que
se gastaria com um laboratório do Slapsoftware e os resultados são
imensamente menores.
Se são tantas as vantagens, por que você acha que há tantas resistências por parte do Tribunal?
Não
tenho uma resposta exata para esta pergunta. Acho que, em parte, há nas
pessoas, em geral, o medo de qualquer coisa nova. Por outro lado, creio
que o poder econômico é contra esta proposta.
Porque o tribunal de justiça colocou você em disponibilidade?
Logo
que se iniciou o projeto, em 2008, eu comecei a sofrer representações
(reclamações) de caráter disciplinar, que culminaram na sessão do dia 19
de outubro do ano passado. Os processos que sofri foram todos ilegais,
porque baseados em interpretações e posicionamentos jurídicos que eu
utilizava em minhas sentenças. A Constituição proíbe que o juiz seja
punido por pensar ou interpretar desta ou daquela forma, justamente para
evitar perseguições políticas como a que sofri.
Qual a relação entre o sistema e a punição?
A
sessão que determinou que eu deveria ser afastado ocorreu dias após
algumas publicações que fiz em prol do sistema, tentando fazer a
população entender melhor minha iniciativa e as resistências que eu
vinha sofrendo. Naquele período, também pedi a abertura do código-fonte
dos sistemas oficiais, para que eu pudesso melhorá-los, o que foi
encarado como “ameaça”. A própria existência dos processos não possui
outra explicação, já que ser perseguido por seus entendimentos e
conclusões jurídicas não é algo que acontece com todos os magistrados.
Esta informação não está nos autos dos procedimentos, mas, em geral, nas
sessões em que eles eram julgados, os desembargadores não raro se
referi
am ao meu projeto como “críticas ao Tribunal”, como se estivéssemos na
época da Santa Inquisição, em que criticar era infração.
Você foi diagnosticado com transtorno depressivo recorrente. Como você acha que isso afetaria/afetou seu trabalho?
É
muito difícil se dividir entre o trabalho e um outro “trabalho” de
defesa contra pseudoacusações sem o menor sentido. Imagine se você
gastasse horas do seu dia se defendendo em processos no qual você é
acusada de “ter cabelo louro” e ainda ter que participar de audiências,
assistir a sessões em que você é insultada, ter que contratar advogado,
etc.. Por isto, tive de tirar várias licenças médicas. Creio que hoje,
na nova comarca em que trabalharei, já livre das perseguições (assim
espero), terei mais tranquilidade.
De
acordo com o TJ, suas decisões como juiz da Comarca de Santo Antônio
nos anos de 2008 e 2009 violaram o princípio da fundamentação,
acarretando prejuízos ao Poder Judiciário e, sobretudo, à sociedade.
Como você explica?
Não me consta esta informação. Ao
contrário, as decisões que me levaram à punição, estas sim, violam não
só o princípio da fundamentação, pois não possuem qualquer lógica, como
violam quase todos os princípios do Estado Democrático de Direito. Se
assim não fosse, o CNJ não julgaria procedente o meu pedido em
detrimento de uma medida punitiva, o que, convenhamos, é muito raro.
Em que situação atual o Sr. Juiz se encontra?
Aguardando o fim das férias para retornar ao trabalho, isto se não houver nenhuma surpresa desagradável.
Com essa medida que anulou a punição do TJ e determinou sua reintegração, como você encara os fatos?
Procuro não guardar mágoas ou rancores, vamos ao trabalho!
Fonte: A matéria acima foi públicada com exclusividade no "Blog do Primo" e enviada para nosso e-mail através do juiz Eduardo Feld, a qual nos sentimos honrados e agradecemos pela contribuição.